Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo

Retinopatia da prematuridade

Definição
A retinopatia da prematuridade é uma doença resultante da interrupção da normal vascularização da retina.
Quando o nascimento acontece prematuramente o crescimento normal dos vasos da retina é interrompido. Posteriormente, quando esse crescimento é retomado semanas após o nascimento, pode dar-se de forma desorganizada com a formação de vasos anormais que levam a alterações graves da estrutura da retina, e eventualmente à cegueira nos casos mais graves.

É uma doença que só atinge bebes prematuros? Porquê?
É uma doença que como o próprio nome diz só atinge os bebés prematuros.
A vascularização da retina inicia-se por volta das 12 semanas de gestação e só fica concluída entre as 36 e as 40 semanas.
Os vasos da retina crescem à custa de uma estimulação bioquímica muito complexa. Existe uma substância designada vegf (“vascular endothelial growth factor”) que é a última responsável numa cascata de eventos que culmina com o crescimento dos vasos sanguíneos da retina. A actuação do vegf está dependente dos níveis sanguíneos de uma outra substância, o igf1 (“insulin growth factor”), que é fornecido ao feto pela placenta. Quando o nascimento se dá prematuramente há uma baixa súbita dos níveis de igf1 com interrupção da estimulação do vegf. Daqui resulta uma paragem do crescimento dos vasos da retina.
Esta paragem é muitas vezes agravada pela administração de oxigénio nas incubadoras. O oxigénio em altas concentrações, que é necessário para manter o bebe vivo, muitas vezes contribui para a paragem do crescimento dos vasos, e pode mesmo promover a regressão de alguns vasos recentemente formados.
Quando os níveis de igf1 são repostos à custa da produção pelo próprio bebe, o que se dá com o crescimento, os altíssimos níveis de vegf então acumulados levam a um crescimento exagerado e descontrolado de vasos anormais, que podem provocar repuxamento da retina com descolamento e cegueira.

Quais são os factores de risco para o desenvolvimento desta doença?
A retinopatia da prematuridade é uma doença multifactorial.
O maior factor de risco é a prematuridade, que está expressa na idade gestacional e no peso ao nascimento. Quanto menor a idade gestacional e/ou quanto menor o peso ao nascimento maior o risco. Nos países desenvolvidos com bons cuidados neo-natais (Portugal está aqui incluído) estão particularmente em risco de desenvolver retinopatia da prematuridade os bebes que nascem com peso inferior a 1500 gramas.
Outro factor de risco muito importante é o oxigénio suplementar administrado ao bebé nas primeiras semanas de vida. Grandes flutuações nos níveis de oxigenação no sangue são particularmente perigosas no que diz respeito ao desenvolvimento da doença.
Outros factores de risco habitualmente apontados incluem a sepsis, as alterações hemodinâmicas, as transfusões de sangue múltiplas, a multiparidade, a doença da membrana hialina, o défice de vitamina e, o uso de aminofilina, alguns antibióticos, ph baixo, luz ultra violeta etc.

Qual a prevalência da retinopatia da prematuridade em portugal?
Existem poucos estudos em portugal sobre retinopatia da prematuridade. Um estudo multicêntrico de 2004 efectuado pela sociedade portuguesa de neo-natologia aponta para uma prevalência de 20,4 %. Contudo é necessário dizer que neste estudo se concluiu que apenas 66,7% dos prematuros de risco foram observados por um oftalmologista. Não fica claro neste trabalho quantas observações foram efectuadas em cada prematuro nem se o observador era uma pessoa experiente no diagnóstico desta doença; estes dois aspectos são fundamentais para uma avaliação correcta da prevalência.
Efectuamos no h s joão um estudo retrospectivo dos prematuros com menos de 1500 gramas observados durante os anos de 2005 e 2006. Essas observações foram sempre efectuadas por um de dois oftalmologistas pediátricos com muita experiência na observação de prematuros; além disso todos os prematuros foram observados repetidamente de acordo com o protocolo internacional até terem completado a vascularização da retina. Neste estudo a prevalência de retinopatia da prematuridade em bebés nascidos com peso inferior a 1500 gramas foi de 61,6%. Felizmente a grande maioria destes bebés não evolui para formas graves; apenas 2,7% apresentavam estádio 2 ou superior.

Como é feito o diagnóstico desta doença?
O diagnóstico faz-se por observação do fundo ocular do bebé. A observação adequada deve ser efectuada com um oftalmoscópio indirecto e uma lente de 28 ou 30 dioptrias. Esta observação não é habitualmente fácil e por isso é necessário que seja efectuada por um oftalmologista com muita experiência nesta patologia.
Recentemente apareceu no mercado um aparelho capaz de fotografar o fundo ocular dos bebés. Se a aquisição das fotografias for bem executada, a sua análise pode ser efectuada à distância por oftalmologista experiente através da rede web. Este método permite detectar com facilidade bebés com retinopatia da prematuridade, mesmo em centros onde não existam oftalmologistas treinados nesta doença.

Existem formas de prevenção desta doença?
As formas de prevenção são praticamente inexistentes para esta doença uma vez que ela decorre essencialmente da prematuridade.
A prevenção possível passa essencialmente por cuidados neo-natais de excelência. Nos países emergentes onde esses cuidados neo-natais são de pior qualidade a prevalência e a gravidade da doença é maior mesmo em bebés de maior idade e peso ao nascimento. Em simultâneo com um bom controle da oxigenação e com a prevenção de grandes flutuações nos níveis de oxigénio é fundamental um bom equilíbrio hemodina
Âmico.
É importante sobretudo a detecção da doença em tempo útil para que o tratamento se possa efectuar de forma adequada e no momento exacto.

Uma vez diagnosticada, como pode ser tratada a retinopatia da prematuridade?
Antes de mais é necessário dizer que existem critérios objectivos para decidir efectuar tratamento, e que na presença desses critérios o tratamento deve ser efectuado dentro de 48-72 horas.
A retinopatia da prematuridade trata-se com crioterapia (sonda de frio) ou com laser. Ambos são tratamentos ablativos, ou seja queimam parcialmente a retina não vascularizada. Desta forma diminui-se o estímulo para a proliferação dos vasos anormais capazes de destruir a retina normal.
Deposita-se actualmente grande esperança em novos métodos de tratamento. Um desses métodos consiste numa injecção intra-ocular de substâncias capazes de bloquear o vegf excessivo e desta forma controlar o crescimento descontrolado dos vasos anormais.
Nos casos que a doença já evoluiu para descolamento da retina é necessário efectuar microcirurgia intra-ocular.

Quais as possíveis consequências desta doença para o bebé?
A primeira consequência possível resulta da fase aguda da doença. Quando a retinopatia não regride espontaneamente ou não cede ao tratamento evolui para descolamento de retina de muito difícil tratamento e normalmente para a cegueira.
As consequências a médio e longo prazo são sobretudo uma maior incidência de estrabismo e de erros refractivos. A miopia é muito mais frequente nos prematuros e ainda mais naqueles que necessitaram de tratamento (mais na crioterapia do que no laser). Nos doentes tratados o campo visual fica levemente diminuído. De um modo geral os prematuros com alguma forma de retinopatia acabam por ter ligeira diminuição da acuidade visual e  da visão cromática.

Quais os conselhos que se devem dar aos pais para lidar melhor com esta doença?
Os pais devem antes de mais informar-se sobre a doença e sobre o seu carácter. Se tiverem um filho prematuro devem assegurar-se que o seu filho tem a vigilância adequada em tempo útil por pessoas qualificadas.
Por vezes é necessário efectuar observações múltiplas mesmo para além da alta hospitalar. Os pais devem estar disponíveis para essas consultas.
Devem ainda saber que a vigilância oftalmológica dos seus filhos não termina quando a retina fica completamente vascularizada. Devem efectuar rastreios periodicamente e de acordo com as indicações médicas uma vez que são muito frequente os erros refractivos e o estrabismo.

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