Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo

Óculos de Sol

Óculos de sol nas crianças
A necessidade ou a obrigatoriedade do uso de óculos de sol pelas crianças é um assunto que ciclicamente volta à discussão pública. É um tema muitas vezes amplificado na sua importância real sobretudo quando o Verão se aproxima.
Pelo facto de se encontrarem em desenvolvimento, as crianças são necessariamente aquelas em que qualquer agressão do meio ambiente poderá ter maior repercussão. Daí que as os aspectos relacionados com a prevenção sejam muito importantes.
O oftalmologista (pediátrico) é muitas vezes questionado: o uso de óculos de sol é obrigatório nas crianças? As crianças devem usar óculos de sol? As crianças podem usar óculos de sol? São três perguntas distintas que merecem variados comentários.

São questões que preocupam a sociedade contemporânea por três ordens de razões: 

(1) Porque há hoje uma consciência colectiva das alterações climáticas e das alterações atmosféricas tendentes a diminuir as protecções naturais; (2) há uma consciência crítica da importância da medicina preventiva relativamente às agressões do meio ambiente, e finalmente (3) no mundo global gerou-se uma dinâmica de “marketing” muitas vezes inaparente, tendente ao consumo; há hoje lojas especializadas na venda de óculos de sol, o que por si só reflecte a importância deste nicho de mercado; não há marca de vestuário ou de perfume que não tenha o seu protótipo de óculos de sol; a televisão e os jornais entram diariamente em nossas casas com imagens de estrelas das mais variadas áreas da sociedade, que em comum têm o vestuário de marca e frequentemente os óculos de sol (nem sempre com a melhor utilização...).

Radiação solar
Primeiramente é necessário saber o que está em causa relativamente à protecção dos olhos.
 
A luz solar ou radiação solar é composta por variados componentes entre os quais as radiações ultra-violetas (UV) que se situam no espectro luminoso num dos extremos da luz visível. Estes raios UV são aqueles que maiores danos podem provocar no aparelho visual, no caso de haver exposição. Conforme o comprimento onda (por ordem decrescente) podem dividir-se os UV em UV-A, UV-B e UV-C.

A importância da camada de ozono e as alterações a que está sujeita é actualmente um tema de grande importância. O ozono não é mais que uma forma especial de oxigénio, que se forma a partir do oxigénio normal quando presente acima de determinada concentração na atmosfera; nestas condições por reacção fotoquímica com a radiação UV-C, forma-se na estratosfera (a cerca de 50 km de altitude), uma camada muito fina de cerca de 2-3 mm deste gás que é distribuída de forma mais ou menos homogénea por acção dos ventos estratosféricos. Curiosamente esta camada de ozono tem como principal função (para além de estabilizar a concentração de oxigénio na atmosfera) a filtração dos raios UV da radiação solar.

Efeitos da radiação solar no aparelho visual
Os efeitos deletérios provocados pelas radiações UV são o que verdadeiramente está em causa quando se fala da exposição ao sol.
Dependem por um lado da intensidade da radiação, definida pelo índice de radiação UV (programa ambiental das NU e organização meteorológica mundial) e por outro lado do tempo de exposição.

Quais são então as lesões oculares relacionadas com a radiação UV?

É necessário distinguir as lesões imediatas (agudas) provocadas pelas radiações, daquelas a que aparecem a médio e longo prazo.

Entre as agudas é importante referir as queimaduras palpebrais muitas vezes não valorizadas nas lesões oftalmológicas. É importante salientar a importância das pálpebras na função visual, e é também importante recordar que a pele das pálpebras tem também o risco de desenvolver patologia tumoral ao longo da vida, se demasiadamente exposta.

Dentro das lesões agudas a queimadura solar da córnea -fotoceratite- é provavelmente a mais grave. Os sintomas são a dor, que pode ser intensa sobretudo na presença de luz e a diminuição da acuidade visual que felizmente é transitória. Este tipo de lesão depende do comprimento de onda (quanto menor o comprimento de onda mais frequente e mais grave a lesão) e da intensidade da radiação. Para radiação de baixo comprimento de onda como acontece com os UV-C uma pequena quantidade de radiação pode provocar lesão; felizmente este tipo de radiação praticamente não chega à superfície terrestre; a maior parte destas lesões entre nós são provocadas por equipamentos como os aparelhos de solda. No entanto este tipo de lesão está descrita em situações de exposição prolongada aos UV-B como acontece por exemplo na neve, sobretudo a neve fresca que reflecte cerca de 85% da radiação. 

Tive a oportunidade de estudar as causas de urgência em oftalmologia pediátrica durante o ano de 2005 e 2006 no Hospital de S. João no Porto, que é o hospital onde acorrem todas as urgências pediátricas do concelho do Porto e que funciona como hospital de referência para todo o norte de Portugal nesta área. Num total de 4692 doentes não observamos nesse período um único caso de queimadura de córnea em crianças por exposição solar.

Das lesões relacionadas com as radiações a longo prazo destacam-se: 

(1) as alterações da transparência do cristalino, podendo favorecer  o aparecimento de cataratas. Esta alteração depende da acção dos UV-B mas também dos UV-A. 

(2) a degenerescência macular ligada à idade; trata-se de uma doença que atinge a porção mais central da retina e que pode conduzir à cegueira; como a designação indica sobrevém habitualmente numa fase tardia da vida, por altura da sétima década, e pode estar relacionada com a toxicidade da luz.

Nestes casos os efeitos da radiação são cumulativos ao longo da vida

O que se pretende de uns óculos de sol
Antes de mais é necessário saber-se o que se espera de uns óculos de sol. A maioria das pessoas usa óculos escuros para melhorar o conforto visual na presença de luz solar. Embora este aspecto seja muito importante, o principal objectivo para o uso de óculos escuros, deve ser a sua capacidade de proteger a criança das radiações nocivas ao aparelho visual; devem filtrar 100% das radiações ultra-violetas (UV-A, UV-B e UV-C) e se possível devem filtrar a porção azul da luz visível.

As crianças passam mais tempo expostas à luz ambiente do que os adultos. Estima-se que a média de radiação recebida pela criança seja três vezes a do adulto e que cerca de 80% da radiação seja recebida antes dos 20 anos de idade.

Por outro lado o cristalino da criança transmite mais radiação visível de baixo comprimento de onda (azul) e ultravioleta à retina do que o cristalino do adulto. Estima-se que 75% da radiação que chega à retina, ocorra antes dos 10 anos de idade e apenas 10% depois dos 25 anos.

Perante estes dados é fácil perceber que a ser necessária a protecção, ela deve ser efectuada nos períodos da vida em que a criança está mais exposta à radiação solar.

É necessário acrescentar que a exposição a radiações nocivas está dependente do índice de radiação UV. A protecção é obrigatória sobretudo quando o índice ultrapassa um valor superior a 10 (numa escala de 0 a 15). Em Portugal não são muitos os dias em que estes valores são atingidos. A protecção torna-se também muito importante em ambientes de grande exposição que dependem de factores geográficos (maior radiação nas regiões próximas do equador), em locais de grande altitude (montanha) e em zonas de grande reflexão de luz como acontece nas zonas cobertas de neve e nas grandes superfícies aquáticas.

A partir de que idade podem as crianças usar óculos escuros?
As crianças podem usar óculos de sol em qualquer idade. É boa regra fazê-lo somente a partir do momento em que consigam o seu manuseamento de forma autónoma.

A protecção relativamente à radiação solar tem importância apenas a partir da idade em que a criança adopta um estilo de vida que lhe traz maior exposição, ou seja quando começa a ter actividades ao ar livre.

 A protecção ocular com lentes de protecção solar é importante sobretudo:

- Nos dias de maior índice UV 

- Durante os períodos do dia em que a radiação é mais intensa (10 às 15)

- Nos locais de maior exposição: grandes altitudes (montanha) e superfícies muito reflectoras (neve e grandes superfícies de água)


Critérios de escolha para os de óculos de sol do seu  filho
O critério mais importante é a qualidade, que nem sempre é compatível com a tendência da moda.

Os pais devem certificar-se de vários aspectos relacionados com as lentes solares:

1. Filtração de 99-100% da radiação abaixo dos 400 nm (toda a radiação UV). Se possível as lente devem ainda filtrar a radiação entre os 400 e os 500 nm (luz azul)

2. As lentes devem ter boa qualidade óptica para evitar a distorção das imagens.

3. Devem ter uma coloração capaz de proporcionar conforto na presença de luz, mas não devem ser demasiado escuras para não adulterarem as cores naturais dos objectos e/ou a acuidade visual. Não se deve confundir a intensidade da cor com a capacidade de filtrar a radiação nociva para o aparelho visual.
A escala de cores oscila entre 0 e 4. Para as condições de luz em Portugal, deve escolher-se uma coloração 2-3. Só em situações especiais se deve optar por uma lente mais escura.
Deve dar-se preferência à cor cinzenta ou ao castanho (âmbar)

4. A armação e as lentes devem ser robustas. As crianças estão mais sujeitas a traumatismos, e por isso é necessário evitar os riscos relacionados com a fractura das lente e/ou armação. A estrutura dos óculos deve estar livre de bordos ou projecções capazes de provocar traumatismo das estruturas oculares

5. A estrutura dos óculos deve ser de forma a proteger os olhos e as pálpebras. As armações devem ficar bem ajustadas e devem ter tamanho suficiente para protegerem as pálpebras e impedirem a entrada nos olhos da luz reflectida.

Ao adquirir um par de óculos de sol, os pais devem certificar-se da presença do símbolo CE e da inscrição do standard a que obedece a fabricação.
Na Europa (e em Portugal) existe um standard próprio (EN-1836 de 1997) que exige o seguinte: identificação do fabricante; número de categoria do filtro; adequabilidade para conduzir.

O fabrico e comercialização de lentes solares estão abrangidos pela legislação que regulamenta os equipamentos de protecção individual (EPI) (Directiva 89/686/CEE do conselho de 21 de Dezembro de 1989)


A protecção não é um exclusivo dos óculos de sol!

O uso de lentes solares ajuda a proteger o aparelho visual da radiação solar, sobretudo nos dias e nas situações de maior exposição. Em todo o caso é importante realçar:

1. A melhor protecção é evitar a radiação solar. Deve evitar-se a exposição nos dias de maior intensidade de luz e nas horas em essa intensidade é mais elevada (10 às 15 h). 

2. Um chapéu de abas ou um boné diminuem para cerca de 50% a quantidade de luz directa que atinge o globo ocular, e pode portanto ser também um excelente meio de protecção.

Motivações estéticas e mercado paralelo
É do conhecimento geral que muitas vezes a motivação para aquisição de óculos escuros tem a ver com razões de ordem estética. 

É também do conhecimento geral que muitas vezes essa aquisição se faz em função de uma oferta fácil e económica em locais não apropriados. Este tipo de mercado tem proliferado um pouco por todo o lado porque a fiscalização é pouco eficaz. Estima-se que cerca de 30% dos óculos de sol vendidos anualmente sejam ilegais e portanto saiam fora do controle de qualidade imposto pela legislação europeia.

Contudo é também de realçar a crescente preocupação que os Portugueses têm actualmente com a saúde dos filhos, nomeadamente no que diz respeito aos aspectos preventivos. Por isso embora existam pais capazes de comprar óculos de má qualidade para os seus filhos, eles são seguramente cada vez em menor número.

Os óculos de qualidade são sempre caros?

Não necessariamente. Um par de óculos de sol não tem de ser caro para oferecer uma boa protecção para as radiações UV. Na maioria dos casos o elevado preço de uns óculos de sol tem que ver com critérios de popularidade da marca. Não é necessário comprar armações nem lentes com o logótipo de marcas conhecidas. O importante como já se disse, é verificar a eficácia das lentes na sua principal função que é a de filtrar todos os raios UV e cerca de 75 a 90% da luz visível de forma a proporcionar conforto ocular.

Mais do que um preço barato, o importante é evitar lentes que não tenham essas especificações ou em que elas não sejam fiáveis!

O que pode fazer para verificar a qualidade óptica das lentes
A visão adequada através dos óculos escuros depende fundamentalmente de dois factores: a qualidade óptica das lentes e a sua cor.

Uma das exigências para uns adequados óculos de sol é que as lentes tenham boa qualidade óptica. Para além de alterações da visão, umas lentes de má qualidade óptica podem provocar cansaço ocular e dores de cabeça. Quando as lentes são adquiridas num local apropriado esta qualidade estará em princípio assegurada. Contudo a inspecção das lentes pode ajudar a verificar esse aspecto; devemos verificar se as duas lentes são igualmente uniformes no seu aspecto global incluindo a cor. Aproximando cada uma das lentes de uma linha ou de um objecto e movendo as lentes em vários sentidos podemos verificar se existem distorções da imagem.

Quanto à cor é importante sublinhar que sua intensidade não esta relacionada com a sua capacidade de filtrar os UV. Na verdade a protecção UV é clara! De resto as lentes demasiado escuras podem diminuir a acuidade visual, adulterar as cores reais dos objectos e provocar cansaço ocular.

Como é do conhecimento geral os olhos têm mecanismos próprios de defesa. Quando expostos a luz intensa as pálpebras fecham, os olhos desviam-se da fonte de luz e a própria cabeça também se posiciona de forma a evitar a luz.
Contudo a resposta da pupila é o factor de protecção mais conhecido. A pupila é a área escura central e redonda limitada pela íris; é por esta área que a luz penetra no olho. Ela fecha reflexamente com a luz diminuindo substancialmente a quantidade de luz que penetra no olho. As crianças em condições normais sofrem menos de “glare” porque este reflexo é mais activo e capaz de diminuir mais a área pupilar do que nos adultos.
Embora não esteja provado, há quem defenda que o excessivo uso de óculos de sol pode diminuir estes reflexos.
No mais, os únicos riscos prendem-se com o uso de lentes de má qualidade: umas lentes que não filtrem os UV mas que sejam escuras, diminuem o reflexo da pupila e permitem a entrada de maior quantidade de UV no olho.
Há também riscos relacionados com os traumatismos. As crianças estão mais sujeitas a trauma e se as lentes e as armações não forem resistentes aumentam o risco de lesão.

Situações especiais em que a protecção é obrigatória
Merecem cuidados especiais de protecção as crianças operadas a catarata, porque não tendo cristalino a quantidade de radiação que passa para a retina está aumentada.

Existem alguns tratamentos que aumentam a sensibilidade dos tecidos oculares à radiação UV. Estes incluem alguns antibióticos como as Sulfonamidas e as tetraciclinas, tratamentos para a psoriase e o vitiligo e alguns antidepressivos e antiepilepticos.


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