Visão no recém-nascido
O que vê o recém-nascido?
Muitos pais consideram que os seus bebés com poucos dias de vida já os conseguem ver. “Parece que estão mesmo a olhar para nós”, dizem. No entanto, e apesar do bebé aprender a ver desde o nascimento, a complexidade da sua visão requer alguns esclarecimentos.
Toda a estrutura morfológica do aparelho visual está formada ao nascimento. “Antes de nascer, já existem impulsos visuais mesmo sem estímulo luminoso. São mediados por estímulos químicos, geneticamente determinados e são responsáveis pelo desenvolvimento das estruturas nervosas do aparelho visual, nomeadamente do corpo geniculado lateral e do córtex visual primário”, afirma o Dr. Augusto Magalhães, médico oftalmologista.
No entanto, a capacidade de focagem está pouco desenvolvida e não vai para além dos 30 cm. “É como se o recém-nascido fosse míope”, explica Augusto Magalhães. Esta capacidade de focar melhora rapidamente até aos 6 meses permitindo uma focagem até aos três metros.
As células nervosas da porção mais central da retina (fovea) sofrem melhorias importantes na sua organização e estrutura nos primeiros meses de vida.
O oftalmologista entrevistado pela Mãe Ideal garante que “o nervo óptico, que conduz a informação visual desde o olho até ao cérebro, melhora a sua velocidade de condução durante os dois primeiros anos de vida. Por sua vez, o córtex cerebral sofre uma grande evolução após o nascimento mercê dos estímulos visuais que recebe”.
Afinal, o que consegue ver o recém-nascido?
O recém-nascido vê formas desfocadas e distingue linhas de fronteira entre os objectos. “As imagens são manchas pretas e brancas e em tons de cinzento. Devido à imaturidade das células nervosas da retina e do córtex cerebral, a acuidade visual ao nascimento é muito baixa. Estima-se que seja correspondente a cerca de 0,5/10.
Por outro lado, as reacções aos estímulos visuais são muito rudimentares: a localização espacial faz-se efectuando movimentos lentos da cabeça e dos olhos no sentido do estímulo visual”, explica Augusto Magalhães.
Apesar de alguns pais considerarem que o seu filho os está a ver, o que acontece com os comportamentos de um recém-nascido está relacionado com os reflexos que são mediados “por mecanismos sub-corticais, ou seja, que não envolvem o córtex cerebral. O comportamento visual ao nascimento não foge a esta regra. Daí as reacções rudimentares que apresentam aos estímulos visuais”.
No entanto, é sabido que a função visual evolui muito rapidamente nos primeiros dois a três meses de vida. “Por um lado as estruturas oculares sofrem rápidas melhorias funcionais e por outro lado ocorre uma rápida evolução no funcionamento do córtex visual que é provocado pelo estímulo visual”, afirma o médico oftalmologista.
Novas competências e capacidades
O estímulo visual permite que os vários módulos da visão se desenvolvam. Estes módulos incluem aspectos relacionados com o movimento, a orientação, a cor e a disparidade binocular. Adquiridas estas competências da responsabilidade do córtex visual, “o bebé começa a ter a capacidade de, por um lado, integrar todos estes aspectos de forma a conseguir formar a representação cerebral de um objecto e, por outro, segmentar esta informação para que esses objectos possam ser distinguidos do background e dos outros objectos”, esclarece Augusto Magalhães. A fixação e a atenção são posteriormente integradas no fenómeno visual. A capacidade de decidir pela fixação num determinado objecto ou porventura mudar essa fixação para um novo objecto representa uma nova competência mais complexa que exige um desenvolvimento cortical só adquirido pelos cinco, seis meses de idade. “Toda esta evolução está integrada num desenvolvimento global, que inclui a evolução dos aspectos motores. A atenção e a capacidade de fixar objectos permite, numa primeira fase, explorar o espaço visual de perto que culmina na capacidade de tocar e agarrar os objectos ao alcance da mão; numa segunda fase com a aquisição da capacidade de gatinhar e de andar, permite a exploração do espaço visual de longe”, refere o oftalmologista.
A acuidade visual e a capacidade de discriminar o contraste são o resultado final de todas estas competências visuais adquiridas durante os primeiros meses de vida.
Augusto Magalhães assinala que “se estima que a acuidade visual evolua de 0.5/10 ao nascimento para 2 ou 3/10 por volta do ano de idade. A acuidade visual do adulto só é atingida entre os 4 e os 6 anos”.
Discriminação das cores
A capacidade de discriminar cores também se dá nos primeiros meses de vida. Inicialmente, aos dois meses, os bebés distinguem o verde-vermelho. Só mais tarde, por volta dos três meses, começam a conhecer o azul. “Uma nota curiosa é que apesar de serem capazes de discriminar as cores logo nos primeiros meses de vida e apesar das cores primárias estarem incluídas nos primeiros 200 vocábulos que aprendem, as crianças só nomeiam de forma consistente as cores depois dos três ou quatro anos”, garante Augusto Magalhães.
Os bebés conhecem os seus familiares?
Apenas com poucos dias de vida os bebes já apresentam preferência por faces familiares, nomeadamente pela face da mãe que o amamenta. É esta a primeira cara que identifica desde os primeiros dias. “Contudo, esta preferência baseia-se apenas nas características do contorno da face, ou do perfil do cabelo. Este fenómeno é conhecido por efeito de externalidade. Se a mãe mudar o penteado ou colocar uma touca que lhe mude o perfil da face ou do penteado, o recém-nascido dificilmente a reconhece”, o que não deixa de ser curioso.
Os pormenores da face e um verdadeiro reconhecimento só ocorrem depois dos três meses quando uma área específica do córtex temporal for integrada na função visual. O reconhecimento de faces humanas está dependente dessa zona específica do córtex cerebral.
Cuidados a ter com os olhinhos dos recém-nascidos
Se a gravidez e o parto decorreram de forma normal, não são necessários cuidados especiais para além dos cuidados básicos de saúde geral. Estes incluem vigilância médica, uma alimentação adequada e bons cuidados de higiene.
“Todos os recém nascidos devem ser examinados por um pediatra. Os pediatras sabem examinar os aspectos morfológicos dos olhos do bebé, e assim excluir as malformações do globo ocular. Para além disso, os pediatras observam o reflexo vermelho do fundo do olho e assim excluem causas graves de má visão como as cataratas congénitas e algumas formas de tumores oculares”, afirma Augusto Magalhães.
Os cuidados de higiene são importantes para evitar infecções capazes de deixar sequelas no aparelho visual. Refira-se que, em Portugal, as infecções graves são raras mas existem regiões do globo endémicas para infecções oculares (por ex: tracoma) capazes de provocar cegueira.
“A alimentação é muito importante. Sempre que possível os bebes devem ser amamentados. O leite materno garante uma dieta equilibrada a todos os níveis e o seu alto teor em ácidos gordos polinsaturados favorece um desenvolvimento mais rápido da função visual no bebé”, diz-nos o oftalmologista.
Todos aqueles bebés que apresentem alterações na morfologia dos olhos ou alterações do reflexo do fundo ocular devem ser referenciados para uma consulta oftalmológica. De igual modo, os bebés com história familiar de doenças oculares e aqueles que tiverem doença neurológica, genética, dismorfias faciais e história de prematuridade também devem ser avaliados por um especialista.
Cor definitiva dos olhos. A partir de quando?
A cor dos olhos é, depois do sexo, o aspecto que mais referência merece num recém-nascido!
“Quando falamos da cor dos olhos falamos da cor da íris. Na sua estrutura, existem fundamentalmente duas camadas: uma posterior que é muito pigmentada em todas as pessoas (epitélio pigmentado da íris) e que serve para filtrar a entrada da luz no olho, e uma anterior chamada estroma em que a quantidade de pigmento é variável de pessoa para pessoa. É justamente o pigmento do estroma que confere a cor aos olhos. O pigmento do estroma aumenta após o nascimento por acção da luz (tal como acontece na pele). Uma criança com um ano de idade tem normalmente metade do pigmento final na sua íris, e só por volta dos três anos existe o pigmento definitivo”, salienta Augusto Magalhães.
Assim, pode-se dizer que, em crianças com íris escura ao nascimento, essa cor será praticamente definitiva, mas em recém-nascidos com íris clara, a cor definitiva dificilmente estará definida antes de um ano de idade e poderá escurecer ainda mais até aos três anos.
É preciso acrescentar que mesmo depois da infância a cor dos olhos pode mudar e que há doenças e medicamentos que fazem mudar a cor dos olhos em qualquer altura da vida.
Doenças visuais que se podem desenvolver.
Há uma lista infindável de doenças que podem ocorrer no aparelho visual do recém-nascido. Algumas envolvem exclusivamente o olho mas existem outras que se associam a doenças gerais que podem inclusivamente pôr em risco a saúde geral e a vida do bebé
Para além das anomalias congénitas que incluem as alterações da forma e do tamanho do globo ocular, importa salientar pela sua importância e frequência, as ptoses (pálpebra caída) e as cataratas congénitas. São duas situações que obstruem o eixo visual e que impedem o desenvolvimento correcto da função visual e por isso devem ser corrigidas urgentemente. No caso das cataratas, elas podem ser devidas a genes herdados dos progenitores ou podem estar associadas a outras doenças gerais do bebe”, salienta Augusto Magalhães.
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